domingo, 11 de março de 2018

Atendendo ao chamado das Mudanças


    Outro dia estava observando as estrelas. Elas brilham bastante, devem ser quentinhas, e tem jeito consolador também. E me fiz uma pergunta: Elas ficam paradinhas lá longe no céu? Será? Porque tem dias que eu as vejo em um lugar diferente, juro a vocês, elas não estavam no mesmo lugar de ontem. Ora, tolo aquele que diz que dá para se orientar por elas, sabia? Elas é que devem orientar-se por nós, pois, onde estivermos, elas vão atrás. No fim, somos iluminados por todas elas.

    Então me veio: se elas vão aonde estamos, isso significa que... Se mexem! Olhem só, elas se movem no céu. E isso é verdade? Vocês vão me perguntar e eu responderei, sim, é verdade; e vocês vão indagar, isso é bom, e eu direi, ora, mas é claro, isso é maravilhoso para todos nós; e teimosos ainda questionarão, mas é mesmo possível que elas nos façam isso, e eu respondo, não só é possível como é também de uma necessidade muito grande para todos nós.

    As estrelas – cada uma a seu jeitinho – zelam por nós nos seguindo e nos seguindo porque somos nós que as iluminamos. Ora, se não fosse por nós, elas não teriam brilho. Os animais, olham lá para cima e nada encontram porque não dizem nada, se encontrassem, nos diriam. É sim, essa é a razão para que eles não falem absolutamente nada. Seus bramidos são um pedido surdo para que as estrelas os ouçam, e, vai ver elas o fazem cada uma à sua maneira. Mas as estrelas estão lá em cima mesmo para a mulher e para o homem. Principalmente, aquelas que andam muito rápido no céu.

     Outro dia vi uma dessas. Foi uma sorte muito bonita, sabem? Ela viajava deixando tantas e tantas estrelinhas mais no céu que só o que quis foi pegar um pouquinho daquele pozinho de brilho celeste só para mim. Isso seria um egoísmo e, com grande efeito, não sou egoísta, então acometeu-me uma lembrança de mim, quando ainda muito garoto, fazendo pedido para uma dessas estrelinhas de cada felpuda e brilhante. Pedi a ela: dê-me uma pena e pergaminhos para fazer minhas histórias! Ela, tão singela no firmamento, no outro dia, não me atendeu. Chutei meus problemas todos na forma de um balde de água que escorreu todo pelo quintal. Minha querida avó que, hoje está junto às estrelas, virou para mim e me disse sabendo de meu pedido: calma que tudo se ajeita. Dei então conta de pensar nessa palavrinha estranha: ajeitar.

    Entretanto, é preciso deixar claro igualzinho cristal, que o entendimento dessa palavrinha não me foi rápido não. Precisou acontecer muito comigo para que eu compreendesse que nem tudo o que eu queria a estrela poderia me dar. Passado algum tempo de muito pensar sem em nada poder escrever meus pensamentos, juntei pedrinhas, de um lago próximo à minha casa e comecei a usá-las de maneiras diferentes, formando assim com elas, códigos, que me mostravam aquilo que eu gostaria de escrever. Na minha vila, escrever e ler, eram duas atividades muito bem quistas, não obstante serem também dificílimas. Para conseguir ler e escrever foram preciso apenas os meus pais e minha avó para me ensinarem, mesmo sem papel porque ainda é algo muito caro, e pergaminho bom não se acha numa vila pacata como estas. Mas voltemos às pedrinhas, desculpem o devaneio, eu estou muito velho e as mudanças me causam um pouquinho de falta ao encaminhamento lógico das ideias.

    Pegando cada uma das pedrinhas eu fiz um código e fiz questão de colocar elas enfileiradas em cima de uma prancha natural, lá dentro de uma gruta que hoje virou casa de um lobo bem maldoso... ou a mudança lhe veio, e ele já moveu para as estrelas lupinas... Não sei, me perdoem novamente, mas é que hoje eu posso escrever em pergaminhos e, isso tudo, me dá vontade de gastar linhas e linhas de escrita... é um mal, desculpem. Retornemos às pedrinhas: enfileiradas elas me indicavam mais do que apenas pedras de diferentes formatos e cores numa linha reta; indicavam-me os meus pensamentos e todos os dias eu ia atrás delas para ver se estavam no mesmo lugar do jeito que eu deixei. E como ficavam? Simples! Eu pedia à estrela que estava me seguindo, lá no céu que me vigiasse e às minhas pedras, para que assim, eu pudesse ajudar a ser realizado o meu desejo do pergaminho e da tinta.

     Um dia minha avó foi ver o que eu estava fazendo que não tinha ido almoçar como era o habitual. Descobriu que era porque eu estava na gruta tentando fazer com que as pedras se ajeitassem para o que eu queria dizer, mas não tinham pedras suficientes para tudo aquilo. Ela ficou estarrecida de ver minhas vinte e nove pedras em em fileiras, uma após as outras. Perguntando-me sobre o que eu estava tramando, disse a ela que ali estava escrito o meu pedido que apenas eu, e as estrelas, sabíamos o significado e que, por ser minha avó, acabou ela sendo a terceira outra pessoa a saber do meu querido desejo. Como restava uma palavra para uma última pedra, minha avó me deu seu anel que tinha uma cor diferente e branca, de modo que esta simbolizaria a palavra restante. Ela disse que isso também me faria almoçar logo, ficar com a barriga cheia e que, agora, minhas pedras teriam um sentido completo. Fiquei muito feliz e disse a ela para nós três entoarmos antes do jantar, o meu pedido para a estrela. E assim aconteceu, na hora do jantar, não sóela como também a minha mãe e meu pai, vieram para fazer o mesmo pedido.

    Olá estrelinha. Meu nome você já sabe. Diz para mim quando vamos nos encontrar novamente, pois sumiu, não me apareceu nunca mais. Venha e seja a mudança da minha sorte.

    Meu pai me perguntou prontamente por quê eu não queria pedir diretamente por pergaminho e tinta. Eu respondi que antes de querer meu desejo do pergaminho realizado que fosse sanada a saudade que eu tinha da minha estrela de cada brilhante. Eles assentiram, e todos nós fomos dormir. Mas, devo acrescentar uma coisa: tenho certeza que aquela última pedra branca do anel de minha avó, estava brilhando muito mais do que o normal.

    Naquela noite, fiquei olhando para as estrelas à espera de que meu desejo se realizasse. Sabia que ela apareceria, ela com certeza veria o meu esforço para tê-la de volta ali. Eu pedi várias e várias vezes, olhando o azul escurecido do céu e a pedrinha branca sendo iluminada pelo luar. Esperei calmamente até ver algo no céu. Fiquei um pouquinho tonto, os olhos caíram, as estrelas que eram muitas se tornaram muitas mais e finalmente eu vi lá em cima aquela linda estrela novamente. Desta vez estava tão feliz comigo, que deu até duas piruetas, indo se perder numa distância sem terra e sem chão para percorrer.

    Olhando de novo para o céu já era dia. Eu estava muito disposto, mas com um pouco de frio. Tomei meu chá e percebi que meus pais não estavam em casa. Não me importei muito com isso porque minha avó me indagou sobre a estrela e se ela tinha aparecido e eu, feito a ela o pedido dos pergaminhos. Isso me entristeceu profundamente, pois eu não fiz o pedido a ela. Ela me disse que novamente tudo se ajeitava, pois eu tinha sido um menino bom, e atendi à uma mudança muito mais significativa. Disse ela que um dia quando eu tivesse a tinta e os pergaminhos que tanto eu queria, eu compreenderia tudo.

    Depois do almoço, ao sair de casa, me dirigi novamente à pequena gruta. Ela estava mudada, minhas pedras não estavam mais lá! No lugar de todo aquele cenário estavam as minhas lágrimas e uma alegria tão grande que não guardei no peito. Comecei a saltitar procurando por ela e pelas pedrinhas que não estavam mais enfileiradas nem em lugar algum. Via, no lugar delas, dois frascos com tinta pretinha, três penas e quatro lindos rolos de pergaminho que davam o meu tamanho em altura. Não conseguia me conter e agradecia a todo o tempo a estrela que deveria estar sendo escondida pelo azul anil de um dia ensolarado. Corri para casa, que alegria mostrar aos meus pais aquilo, mas eles não estavam ainda lá. Só chegaram à noite dizendo que tinham uma coisa muito importante para fazer.

    Eu nunca soube o que fora isso, mas muito distante no tempo, percebi que algo mágico aconteceu e foi devido a um desejo físico ter dado lugar a um desejo mais profundo, que tudo pode ser realizado. Daí em diante, mudanças não pararam de surgir em minha vida e, todas elas, estavam relacionadas com os valores. Nada que fosse material teria maior valor do que meus atos ou meus sentimentos, e, por tudo isso, eu cresci. Meu maior querer, era ver a estrela de novo. Era maior do que qualquer outra coisa, pois ela nunca mais, depois daquele dia, me apareceria. E por pedir que ela uma última vez retornasse a mim, em vez de pedir pergaminhos e tinta, e ficar tão grato por revê-la, esquecendo-me do objeto no qual, hoje, debruço meus calos a escrever, ganhei o maior presente de todos. Uma lembrança, em meu coração, para todo o sempre.

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