Pátria, mãe, nunca gentil, ódio a um hino tão mentiroso e
manchado.
Escrevo hoje obedecendo o chamado de um eco. Um eco triste
na noite. Um eco que machuca a quem sabe
que ferir machuca, que ferir dói. Que sangra... e que mata. Escrevo, como um
desconhecido, mas que sente na pele o que é ser silenciado. Desprezado, espancado
pela pátria, mãe, nunca gentil por permitir tal ato. Ela tem culpa sim, e a
culpa vem de muito tempo.
Vem da absurda ação de um bando vil de colonizadores que
pensavam ter razão em escravizar povos distintos, livres, de belezas e raízes
verdadeiras. Hoje, aos olhos de muitos, são pessoas consagradas por suas
“conquistas”, são heróis comemorados pelos sonhos que continuaram a construir:
Um tombadilho cada vez mais dantesco. Imagine você em sua casa, a mãe lendo um
jornal, o pai também, você está em seus afazeres e, de repente, algo dentro da
casa, um barulho, vozes que não conhece, você procura ver quem são: pessoas
estranhas, estranhíssimas, você nunca as viu na vida, entretanto percebe que
suas fardas dizem muito. Elas dizem que ninguém na casa tem direito: ah, mas eu
fiz a minha parte, eu paguei os impostos, o pai dirá, eu sou cidadão de bem,
não sou qualquer psicopata ladrão, e a resposta, um tapa. O homem fica
desmoralizado, a mulher tenta lutar, e a família vai para uma cela onde em
ultima instância, descobrirá que é pior que gado, que não terá direito à sua
casa, à sua morada de raízes distantes no tempo. E os advogados são chamados,
mas para um juri viciado, você, mesmo justo e honesto como se diz, será sempre
mais um culpado. E você e tantos outros
trabalham forçados. E você sai daquela bolha em que tudo estava bem e que o bar
aos fins de semanas e as festas no de
período eram uma bem-vinda realidade. Não, o novo vem ali na frente e te
arrasa.
Foi esse novo que veio aos povos mais belos desse mundo.
Povos de príncipes, reis e princesas reduzidos a escravos. O novo te assusta;
vem esse novo e te mostra belezas de coisas alheias a seu mundo; o novo mostra
a ti a doença que não conhecia, o açoite que nunca experimentara, a pólvora que
seu corpo sente arder; o novo te escraviza, te fere... e se não obedecer ao
novo, ele te mata. Como celebrar o início de algo gentil quando o novo, a
evolução de um país e sua história começaram com um ponto de exclamação
ensanguentado: a Escravidão.
Se acaso sentir espécie, gastura desta palavra e do que ela
representa, entendendo que cores de peles são diferentes e que, entretanto,
elas são um empoderamento da alma por igual (somos todos sujeitos merecedores
deste mesmo espaço mundo), então, estaremos, você e eu, no caminho certo. O
caminho de sentir muita dor. Uma dor de nove tiros em todos os nossos
pensamentos que buscam por igualdade. Um caminho de lutar contra uma cultura
opressora. É o caminho que cassetetes sangram e que cavalos bosteiam corpos no
chão. O animal não tem culpa de nada, o comando vem de cima... sempre de cima.
A questão do ser humano, como vivente, como pessoa, como
alguém que sorri, como alguém que chora, e sente, e realmente sente, e foi um
dia um bebê, que por trás de sua pele tem uma família, tem o lar que é esta
Terra. Essa questão é apagada assim como as redes sociais também gostam de
apagar hoje em dia a maioria esmagadora dos sujeitos. Então o benefício próprio vem antes, não
importando quantas cabeças. Todavia pensar que elas rolem e se enterrem em
algum campo de despejos tristes, é um engano muito infantil.
Tornam-se, assim que são desviadas do caminho de suas vidas,
sementes. E estas sementes fecundam um solo que punge vida. Esta gritará como
nunca o mesmo que foi pensado e lutado por aquela semente, esta sim, mãe
gentil, passará de raízes a galhos toda a sua sabedoria e, para desgosto do
lenhador, a árvore que tão duramente
teve de suar para ralar, multiplicou-se.
Amizade, a luta não tem fim, amizade. A luta contra o ódio
começa bem cedo: com o seu colega justificando deixar o lixo na mesa ou no chão,
porque terá quem limpe; com os rótulos e as fantasias que na infância são
ensinados a tratar o pobre, o paupérrimo, o negro, o "diferente"; com a nossa pátria, mãe,
nunca gentil que não vê a miscigenação de um povo tão plural nem mesmo em seu
hino.
É com nove tiros num carro levando uma guerreira que fez seu
caminho saindo das raízes direto da favela para o mundo em busca de vidas
melhores para os seus, que nos comovemos e pensamos e, pior de tudo, realmente
temos total segurança de dizer que não há gentileza no país em que vivemos. A
constante mudança do polo humanitário para o polo empresarial (entenda-se
capitalismo fascistóide em sua mais pura essência), tem levado vidas, arruinado
famílias e destruído sonhos. As vidas de pessoas como Marielle, que lutava
contra o descaso nas favelas, contra a repressão policial e a doutrinação da
hegemonia branca. Contra a tomada dos direitos que o povo pessoas de carne e
osso, não plutocratas cujo maior amor é o dinheiro; ou religiosos cuja
doutrinação atravessa os limites da razão. Mas a mente do homem muitas vezes é
pequena, torna-se fácil a sua manipulação, principalmente quando ele é
fomentado pela ilusão de que a ciência, a filosofia, o pensar diferente, o sair
da caixinha de pandora entorpecida de hóstias podres, são crimes passíveis de tortura
e morte.
Uma belíssima guerreira se foi, sim, mas não seu ideal.
Marielle deixou uma mensagem como Vladimir Herzog, também, quando foi
assassinado: que a intolerância, a bomba, a borracha, o colarinho branco, os
engravatados vontades hediondas, os juízes desprovidos da magia que estudaram
para dar luz aos injustiçados e a mídia plutocrata, fútil, alienadora e vilã
dos direitos humanos, devem ser derrotadas, e serão derrotadas, pois
acreditavam que enterrariam um ideal, não sabiam que este ideal seria semeado por
quem está do lado certo. O lado da
humanidade.
Avante, luzes da humanidade, brilhem e semeiem o bem. Brilhem
a vontade de uma mulher incrível que foi tirada de maneira ignóbil de sua vida.
Ela foi retirada de sua paz, e por ela e tantos outros, devemos zelar por um
país de paz. A luta é com medo de cair, mas sem medo de lutar como ela, que
contra todas as impressões e paradigmas sociais da alta burguesia, ergueu-se,
lutou e conquistou muito mais do que um lugar como vereadora da cidade
maravilhosa. Marielle Franco é um verdadeiro ideal, e um verdadeiro nunca
morre, apenas se fortalece.
Apenas um texto, em homenagem a uma mulher que deverá ser
lembrada por toda a história do mundo enquanto ele for mundo.
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